19/06/2010

Alguns cientistas sujam a ciência



por Marcos Lopes


Cientistas sempre renderam boas noticias para jornais e revistas em todo o mundo. Ultimamente, nem sempre nos cadernos de ciência. Uma serie de escândalos escabrosos envolvendo pesquisadores de diversos centros de pesquisa nos Estados Unidos e na Europa vem destronando a velha imagem do cientista como uma espécie de semideus, protegido da mesma quinharia dos mortais. O jornalista americano Daniel S. Greenberg, autor do livro ciência, dinheiro e política, escreve sobre estes pormenores. É autor também do livro que publicou em 1967 as políticas da ciência pura. Em seus livros, Greenberg diz que a velha imagem da comunidade cientifica como um grupo de pessoas empenhadas unicamente em contribuir para o bem estar da humanidade é coisa do passado. E ele não esta sozinho. As mais prestigiadas revistas de ciência do mundo vem dando vez mais espaço para a cobertura de escândalos do mundo acadêmico, preocupadas também com que alguns desses casos terminem respingando na credibilidade de suas publicações. Na revista americana Scientific, por exemplo, o tema scientif misconduct ( imposturas cientificas) já ganhou uma seção fixa. E ate mesmo personalidades como Kary Miullis, a bióloga vencedora do premio Nobel de química, em 1993, por desenvolver a Reação em Cadeia de polimerase (técnica de multiplicação de fragmentos do DNA que inspirou o filme Parque dos dinossauros), reconheceu recentemente que a mais importante mudança da ciência na passagem do século XX para o século XXI é o fato de que o interesse econômico suplantou o eterno desejo de expandir o conhecimento humano na condução das pesquisas.

TUDO POR DINHEIRO

Em 1955, perguntaram para Jonas Salk, criador da vacina da poliomelite: “Quem é o dono da patente dessa vacina?” Salk respondeu: “Ninguém. Você poderia patentear o Sol?” Agora tente lembrar-se de ter ouvido uma resposta parecida de algum cientista famoso por esses dias. Difícil, não? A resposta de Salk lembra uma era de inocência, quando a aventura da descoberta, o reconhecimento dos colegas e do publico eram as principais motivações dos cientistas. É claro que ainda existem pessoas com essas motivações, mas o dinheiro parece estar falando mais alto e influencia cada vez mais diretamente o resultado da pesquisa. Daniel Greenberg cita um estudo realizado pela Research Corporation, fundação americana que promove o intercambio de tecnologia das universidades com a industria. A pesquisa concluiu que, pelo menos nos estados Unidos , as instituições de pesquisas trocaram o velho modelo educacional por modelos de negócios, o que termina gerando grandes distorções. A fundação faz um alerta: como os estudantes estão sendo rapidamente atraídos para trabalhar em pesquisas financiadas pela industria, não estão sendo treinados como deveriam. Eles passam a se comportar como qualquer empregado de uma grande empresa: tendo a obrigação, inclusive, de manter o sigilo sobre o seu trabalho para garantir que as companhias possam patentear suas descobertas.

LIGAÇÕES PERIGOSAS.

Você acaba ler um artigo com a descoberta de que o leite materno tem toxinas que podem fazer mal às crianças. Agora experimente lê-lo novamente sabendo que o pesquisador foi financiado por um fabricante de leite em pó. Faz diferença, não faz? Pois é. Se depender da maioria das publicações cientificas, você não vai ficar sabendo muito sobre os vínculos financeiros que os cientistas tem com as empresas. Ao analisar 61134 artigos publicados em 1997, pesquisadores das universidades americanas de Tufts e da Califórnia descobriram que apenas 0,5% das revistas especializadas revelaram os vínculos financeiros dos autores do artigo, incluindo contratos de consultoria com empresas privadas ou “detalhes” como saber se o pesquisador é um dos acionistas da empresa que produz o medicamento sobre o qual está escrevendo. Como nos Estados Unidos estima-se que cerca da metade dos pesquisadores prestam consultoria a industria e cerca de 8% tem ações em empresas biomédicas, a conclusão é que fica cada vez mais difícil confiar nessas pesquisas. Mesmo as prestigiadas Nature e Science reconheceram que precisavam tomar mais cuidado com a publicação de artigos que ocultassem interesses financeiros.

FICÇÃO CIENTIFICA

Cientistas reconhecidos as vezes estão sendo colocados em escândalos científicos por adulterarem dados e pesquisas, comprometendo suas carreiras. Lawrence Rhoades, diretor do Office of Research Integrity ( o ORI, escritório de integridade pesquisa), agencia vinculada ao Departamento de Saúde americano que recebe e julga as denuncias de fraudes acadêmicas, diz: “ Cerca de 85% das denuncias que recebemos estão relacionadas à fabricação de dados”. Em novembro de 1999, por exemplo, a tradicional National geographic foi vitima, sem saber, de uma fraude. A revista publicou a descoberta de um fóssil, na China, que seria o suposto elo de ligação entre pássaros e dinossauros. O paleontólogo Xing Ku, do Instituto de Paleontologia vertebrada e Paleantropologia de Pequim, e Philip Currie, do Museu de Paleontologia de Alberta, no Canadá, batizaram apressadamente a nova criatura de Archaeoraptor liaoningensis. Passado mais de um ano, um especialista da Universidade do Texas fez uma tomografia computadorizada descobriu que o fóssil não passava de uma montagem de 88 peças feita por agricultores chineses para faturarem com o contrabando de fósseis.

INTRIGA INTERNACIONAL

Existem casos de espionagem entre cientistas, e o caso mais famoso foi no inicio da década de 80, envolvendo o pesquisador americano Robert Gallo e o pesquisador francês Luc Montagnier. Gallo foi acusado pelos franceses de ter roubado sorrateiramente do Instituto Pasteur uma amostra do vírus da Aids, ficando com a gloria de ter sido o primeiro a isolar o HIV.

COBAIAS HUMANAS

Uma serie de reportagens publicadas pelo jornal Washington Post, no ano passado, acusava pesquisadores americanos de fazer experiências de novos medicamentos explorando a vulnerabilidade dos pacientes de paises pobres. A industria farmacêutica Pfizer, por exemplo, foi criticada pelo teste do antibiótico trovafloxacin em crianças com meningite na Nigéria. A Pfizer rejeitou as acusações dizendo que os testes eram “fundamentais para a descoberta de um novo tratamento oral para essa terrível epidemia” – Em Uganda, pesquisadores americanos foram criticados por experiências usando placebo em mulheres portadoras de HIV, Segundo os críticos da pesquisa, se as mulheres tivessem recebido o tratamento convencional poderiam ter filhos não contaminados pelo vírus. Recentemente, até a comunidade internacional de antropólogos foi criticada. No livroDarkness in El Dorado, o jornalista Patrick Tierney acusou os pesquisadores de fazer experiências com índios ianomâmis sem o consentimento da tribo – alem de terem transmitido doenças infecciosas para essas populações.

MULHER E NEGRO NÃO ENTRAM

Quantos cientistas negros você conhece? “Provavelmente poucos”, diz a engenheira química Elizabeth Rasekiala. Ela é uma das raras cientistas negras na Inglaterra e vem lutando para diminuir o preconceito racial na comunidade cientifica. Para piorar a situação, uma pesquisa do governo inglês mostrou que crianças negras daquele país tem uma performance medíocre em ciências. Como se não bastassem as acusações de racismo, uma pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa americano, publicada em dezembro na revista Science, concluiu aquilo que a maioria das cientistas americanas já sabiam: ao terem filhos, suas chances de crescer na carreira acadêmica diminuem. O curioso é que com os homens acontece o contrário: quando tornam pais, eles tem bem mais probabilidades de ascensão na carreira.

Infelizmente, o preconceito e o machismo parecem ser uma das ultimas coisas que a ciência atual tem em comum com seu passado.


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